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⠀⠀⠀Quando o despertador ⠀⠀⠀falha, a vida ensina

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Quando o despertador falha, a vida ensina

⠀⠀⠀Hoje despertei atrasado.

⠀⠀⠀Um ano e oito meses de pontualidade

⠀⠀⠀impecável, e nunca antes tal deslize

⠀⠀⠀havia ocorrido.

⠀⠀⠀Costumo acordar às cinco da manhã, saindo

⠀⠀⠀de casa às 5h45 para pontualmente iniciar

⠀⠀⠀o expediente às 5h55. Contudo, nesta fatídica

⠀⠀⠀manhã, abri os olhos às 6h20. Às 6h20, todos

⠀⠀⠀os meus pães já deveriam estar dentro do forno,

⠀⠀⠀enquanto eu vagaria pelo estabelecimento,

⠀⠀⠀simulando uma ocupação ininterrupta.

⠀⠀⠀Ao despertar, notei algo de incomum: a luz do

⠀⠀⠀dia estava intensa demais para ser cinco da

⠀⠀⠀manhã. Peguei o celular e, ao encarar os

⠀⠀⠀números 06:18 na tela, senti o mundo desacelerar.

⠀⠀⠀Por um instante, questionei minha existência:

⠀⠀⠀“Estou sonhando? Ou já me encontro no além?”

⠀⠀⠀A resposta veio em forma de desespero.

⠀⠀⠀O telefone, amaldiçoado pelo silêncio do

⠀⠀⠀modo “não perturbe”, selara meu destino.

⠀⠀⠀Num salto, vesti a calça sobre o uniforme,

⠀⠀⠀enfiei os pés apressadamente nas pantufas

⠀⠀⠀que me acompanham desde 2010 e irrompi

⠀⠀⠀pelo corredor. No banheiro, simultaneamente

⠀⠀⠀lavei o rosto e escovei os dentes, antes de me

⠀⠀⠀lançar porta afora, destrancando o portão às ⠀⠀⠀pressas e montando na moto como se o

⠀⠀⠀próprio demônio me perseguisse.

⠀⠀⠀(Tenho quase certeza de que não tranquei o

⠀⠀⠀portão ao sair, mas presumo que os ladrões

⠀⠀⠀da vizinhança, ao me observarem naquele

⠀⠀⠀frenesi, tenham concluído apenas duas hipóteses:

⠀⠀⠀(1) a casa está amaldiçoada, vítima de possessão

⠀⠀⠀demoníaca; ou (2) ocorreu uma tragédia lá dentro,

⠀⠀⠀e o melhor seria manter distância.)

⠀⠀⠀Cheguei ao trabalho às 6h25.

⠀⠀⠀— “Já liguei até para sua avó!” — foi a primeira

⠀⠀⠀coisa que ouvi ao descer da moto, proferida

⠀⠀⠀pela colega que dividia o turno comigo. Ela

⠀⠀⠀continuou falando, mas suas palavras se

⠀⠀⠀tornaram mero ruído, pois, ao destrancar a

⠀⠀⠀porta e adentrar o estabelecimento,

⠀⠀⠀o alarme disparou.

⠀⠀⠀Sofri ali mesmo o que só posso descrever

⠀⠀⠀como uma morte metafísica. Minha alma

⠀⠀⠀abandonou meu corpo por alguns instantes,

⠀⠀⠀e Deus, em Sua infinita misericórdia,

⠀⠀⠀pareceu sussurrar-me ao ouvido:

⠀⠀⠀— “Vou te poupar de tudo isso.”

⠀⠀⠀Infelizmente, Ele esqueceu de levar o corpo junto.

⠀⠀⠀Com a visão escurecendo, entreguei as chaves

⠀⠀⠀à minha colega (que agora declarava ter

⠀⠀⠀telefonado até para o Papa) e me arrastei

⠀⠀⠀para dentro, ligando o forno e começando a

⠀⠀⠀preparar os pães de queijo. A tela preta que

⠀⠀⠀envolveu minha visão era, provavelmente, um

⠀⠀⠀sintoma claro de que minha pressão arterial

⠀⠀⠀ainda repousava tranquilamente na cama.

⠀⠀⠀O forno leva exatos cinco minutos para atingir

⠀⠀⠀a temperatura adequada. Considerando que foi

⠀⠀⠀ligado às 6h28, ele só estaria plenamente

⠀⠀⠀aquecido às 6h33. Depois disso, os pães

⠀⠀⠀levariam mais 20 a 25 minutos para assar.

⠀⠀⠀Ou seja, no melhor dos cenários, estariam

⠀⠀⠀prontos por volta das 6h55. No pior –

⠀⠀⠀e mais realista – cenário, às 7h.

⠀⠀⠀Sete horas. O horário em que a clientela já

⠀⠀⠀se aglomera no mercado, pronta para

⠀⠀⠀pular o balcão em busca de um pão quente.

⠀⠀⠀Fiquei ali, imóvel, contemplando o tempo como

⠀⠀⠀se pudesse ameaçá-lo a desacelerar apenas para

⠀⠀⠀me favorecer. Não funcionou. Sete horas ⠀⠀⠀chegaram como um golpe impiedoso, e, ao

⠀⠀⠀abrir o forno, deparei-me com pães de queijo

⠀⠀⠀ainda tão brancos que, se me concentrasse

⠀⠀⠀um pouco mais, conseguiria

⠀⠀⠀ouvi-los cantar Taylor Swift.

⠀⠀⠀Fechei a porta do forno e me preparei

⠀⠀⠀para enfrentar a clientela.

⠀⠀⠀Assumi um sorriso amarelo, torcendo para que

⠀⠀⠀ninguém notasse o tremor em minhas mãos ou o

⠀⠀⠀brilho lacrimoso em meus olhos. A primeira

⠀⠀⠀cliente, uma mulher de expressão

⠀⠀⠀exausta, aproximou-se.

⠀⠀⠀— “Tem pão de queijo?”

⠀⠀⠀Pensei, por um instante, em abandonar tudo.

⠀⠀⠀Talvez fosse o momento de pedir demissão.

⠀⠀⠀De abrir um OnlyFans de fotos dos meus pés.

⠀⠀⠀De lançar uma vaquinha solidária, alegando

⠀⠀⠀que fraturei todos os ossos do corpo e

⠀⠀⠀necessito de uma cirurgia de um milhão de euros.

⠀⠀⠀— “Já vai sair. Daqui a uns dez minutinhos.”

⠀⠀⠀Ela me olhou como se eu tivesse acabado

⠀⠀⠀de agredi-la fisicamente. Revirou os olhos.

⠀⠀⠀Eu, agora em prantos, sorri e acenei.

⠀⠀⠀— “Minha filha vai para a escola agora.”

⠀⠀⠀Ótimo. E ela só se alimenta de pão de queijo?

⠀⠀⠀— “Dez minutinhos.”

⠀⠀⠀Ela suspirou com desgosto e foi buscar um suco.

⠀⠀⠀O próximo cliente aproximou-se, um senhor

⠀⠀⠀de olhar compreensivo.

⠀⠀⠀— “Esse pão tá atrasado hoje, hein?”

⠀⠀⠀Sorri.

⠀⠀⠀— “Pois é. Perdeu a hora...”

⠀⠀⠀Pela primeira vez no dia, alguém

⠀⠀⠀demonstrou compaixão.

⠀⠀⠀— “Isso é normal.”

⠀⠀⠀Atendi-o, entreguei seus seis pães e

⠀⠀⠀voltei a encarar a fila.

⠀⠀⠀E então, como se Deus houvesse decidido

⠀⠀⠀testar os limites da minha sanidade, a

⠀⠀⠀mulher do pão de queijo voltou.

⠀⠀⠀— “Vou esperar aqui.”

⠀⠀⠀Suspirei.

⠀⠀⠀— “Minha filha só come pão de queijo.”

⠀⠀⠀Interessante. Em todos os meses que trabalho ⠀⠀⠀aqui, jamais vi essa entidade celestial.

⠀⠀⠀Nunca antes testemunhei essa criatura

⠀⠀⠀divina, esse ser mitológico cuja dieta

⠀⠀⠀consiste exclusivamente em pão de queijo.

⠀⠀⠀Resignado, abri o forno.

⠀⠀⠀— “Ele tá meio branquinho... Ela come assim?”

⠀⠀⠀Eu precisava me livrar dela.

⠀⠀⠀— “Sim.”

⠀⠀⠀Peguei dois. Isso mesmo: dois.

⠀⠀⠀Não cinco, nem seis, nem dez.

⠀⠀⠀Duas unidades.

⠀⠀⠀Ela partiu, triunfante, como quem acaba de

⠀⠀⠀concluir com êxito a side quest ‘Humilhar

⠀⠀⠀o trabalhador em seu momento de ⠀⠀⠀vulnerabilidade’.

⠀⠀⠀Segui atendendo os demais clientes.

⠀⠀⠀A vida continuou.

⠀⠀⠀Mas agora, enquanto finalizo esta narrativa, ativo

⠀⠀⠀uma VPN no meu celular e inicio o processo de

⠀⠀⠀criar um OnlyFans como cidadão da Holanda.

⠀⠀⠀E então percebo, com um arrepio súbito,

⠀⠀⠀um detalhe crucial.

⠀⠀⠀Eu ainda estou de pantufas.

⠀⠀⠀A partir de hoje, meus despertadores

⠀⠀⠀tocarão às 4h40 da manhã.

⠀⠀⠀A partir de hoje, dormirei na

⠀⠀⠀porta do estabelecimento.

⠀⠀⠀E, quem sabe, deixarei dois pãezinhos de queijo

⠀⠀⠀reservados, apenas para descobrir se aquela

⠀⠀⠀mulher era real... Ou fruto de um delírio febril de

⠀⠀⠀uma mente atormentada.

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⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀— Inspirado em um texto do Reddit.

⠀⠀⠀Quando o despertador ⠀⠀⠀falha, a vida ensina-⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
⠀⠀⠀Quando o despertador ⠀⠀⠀falha, a vida ensina-⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
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Esse Gif n kkkkkkk

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1 Reply March 28

Vtnc vou salvar essa porra pra ler mais tarde e rir de novo kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkii

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3 Reply March 13
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