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O trem acelera, desliza por uma extensão incalculável e inundada onde a terra já não mais existe, só a água, com sua superfície lisa e ininterrupta, e o céu límpido em seu reflexo. Não há ruas, pontes, nem destinos visíveis, apenas os finos trilhos que cortam a própria infinitude. O horizonte nos é borrado, dissolvendo-se nas nuvens oníricas onde o céu e a água se tornam inseparáveis um do outro. É um mundo submerso na paz, um lugar nem aqui, nem ali, como se o próprio tempo o tivesse tomado para si. Lá dentro, as coisas são igualmente irreais. As poltronas estão quase desocupadas, exceto por alguns ageiros sem face, sombras que embarcam e desembarcam, indiferentes aos arredores, suas formas translúcidas tremeluzindo contra a serenidade da iluminação. Eles não interagem, pouco se importam com Chihiro ou uns com os outros, e ainda assim... sua presença é-nos estranhamente carregada. Aparecem e desaparecem, como as memórias nos confins da nossa cabeça. Ah, gentil leitor(a), existe algo que é feito para permanecer nesse "mundão"? O que me cativa não é só a beleza assustadora, mas a quietude. Não há diálogos, explicações, tampouco urgência, só o movimentar suave, o zumbido lento do trem contra os trilhos. É nesse silêncio, ora, que nós respiramos e sentimos o fardo de tudo que ocorrera. Nossa protagonista não é só levada à frente; o espectador também é para a contemplação. É uma jornada não só por aquele mundo esbelto e fortemente sobrenatural, mas por algo mais palpável, mais pessoal, como os instantes quietos e "entre-espaços" da vida nos quais somos deixados sós conosco mesmos, à deriva em um mundo que só prossegue sem parar.
Aqueles que já embarcaram na mesma viagem que Chihiro sabem bem de qual cena estou falando. O trem nada mais é do que um veículo, mas... não é, simultaneamente. É o cortar do próprio tempo, uma personificação do silêncio, daquele que, imparável, surge nos dias mais pensativos. Chihiro não controla sua direção, nem é capaz de parar seu movimento. Ela só pode se sentar, assistir e aceitar o fluxo das coisas. Essa é precisamente sua transformação, não é? Foi-se a garota amedrontada que antes se apegava ao medo e à insegurança. "Mortinha". Aqui, nessa jornada, ela é outra: mais calma, mais conhecedora, mais audaz, uma observadora paciente em vez de uma criança que faz birra para fugir de seu destino. Como a natureza, o trem avança, indiferente à hesitação dos homens, e Chihiro, agora sem tremedeiras, deixa-se ir com ele. O trem, porém, não viaja em firmeza; navega sobre um mar interminável, seus trilhos desvanecendo a cada metro. A água, em sua fluidez, sempre nos simbolizou, desde os tempos de Tales, mudança, o elemento que apaga e que transforma. Não tem formas fixas ou certezas, parecido justamente com a vida adulta, etapa cuja permanência de nossas infâncias e adolescências de sólida nada tem. O cenário inundado abaixo, tão limpo, parece outro mundo, esquecido, perdido na memória, desvinculado de nossa familiaridade. É simplesmente perfeito para a agem: um ponto que não é nem onde começou, nem onde terminará, só um que habita entre ambos.
Aqueles que estão no trem nem sequer têm identidades, significância e são, como a água e os trilhos que se vão, completamente impermanentes. Chegam e partem sem protestos, nunca se demorando ou interessando. Não falam, não reconhecem, não querem nada com nada, mas nós os sentimos ali. São as mesmas e curiosas figuras que transitam por nossas experiências: os perdidos em um ônibus, os rostos inquietos em uma multidão, as pessoas que pensamos conhecer e, um dia, somem. Talvez sejam fantasmas insignificantes, andarilhos entre reinos, ou podem ser algo mais intangível: a lembrança de que a vida é cheia de conexões que, independentemente do quanto tenham valor no presente, dissolvem-se, eventualmente, nas mãos do ado. Juntos, os elementos de Miyazaki, do veículo nas intermináveis águas aos transeuntes inomináveis, fornecem-nos a alma do longa-metragem: a mudança. A mudança em "A Viagem de Chihiro" não é um processo que só se define por sua turbulência ou por sua dramaticidade, mas por sua gentileza. Não há correria, não há exigência, não há resistência. Só há movimento. Nós e Chihiro. Ao desconhecido.
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Não há, também, conversa, nenhuma narração para nos explicar o que se a na "cabecinha" ora ansiosa, ora madura de Chihiro enquanto olha pela janela do trem. Nenhuma narração nos diz o que esse momento significa. Há só, leitor(a), "The Sixth Station", a melodia de Joe Hisaishi: calma, discreta, uma memória que lentamente se desdobra em seu próprio tempo no dedilhar de seu piano. Não pede por altas emoções, nem dita as nossas. Simplesmente fica, indo às nuvens que am do lado de fora do trem. A peça é melancólica, mas gentil; não aquela tristeza que é arrebatadora, mas a que vem do pensar, aquela que nos faz sentir o fardo de nossas próprias mudanças. É o tipo de melodia que nos soa estranhamente particular, embora distante, como se fosse um momento há muito ado que jamais deixou de se impregnar no presente. Sua simplicidade, somada à da cena, dá-nos espaço para respirar e sentir, seja nostalgia, calmaria, solidão, quaisquer coisas que bem entendermos. É o bater do coração quieto, a linha quase imperceptível que une a viagem da protagonista à nossa.
Essa perspicácia no uso da música, ou melhor, em sua contenção, é uma especialidade da carreira de Miyazaki: o ma, um conceito japonês de espaço negativo ou de vazio espacial, se preferir. É comum, no cinema, que o silêncio seja evitado, principalmente em uma era de déficit de atenção e de vídeos rápidos; é necessário a todo segundo ter palavras, gestos ou floreios. Mas Miyazaki abraça a quietude. Ele quer e permite que suas criações e seu público existam sem nenhuma pressão por algum instante. A cena do trem em "Chihiro" é justamente um dos exemplos mais famosos e puros disso em sua carreira: não há revelações grandiosas, nem um agir chamativo, só... movimento e silêncio. O mundo externo é vasto e sobrenatural, o trem é firme e Chihiro, contemplativa. Nada ocorre, e bem... tudo ocorre. É o peso da história que se acomoda. É a introspecção que a nós convida. Não há decisão mais preciosa do que a de cancelar, aqui, a exposição. Cria-se um espaço onde o espectador não é informado sobre o que sentir, mas recebe a liberdade de sentir por si próprio. É nossa cena, fortificada pelas memórias que damos à sua duração. Uma mera paisagem em uma janela móvel: nada duradoura, inegavelmente inesquecível. Uma aventura pelas entranhas do coração.
E nós já estivemos nesse trem. Talvez não literalmente, mas em algum momento calmo de nossas vidas, nas pausas entre o que se fora e o que virá. Há ocorrências nas quais nós, como Chihiro, encontramo-nos sentados e pensativos, observando um cenário irreconhecível, cientes de que estamos avançando, mas inseguros sobre o destino. O trem não é o nosso navio através de mares fantasiosos, é o âmago das viagens que nós também realizamos, aquelas que são inconstantes, particulares e serenas. Pensamos sobre os eios de carro ou moto na meninice, observadores pela janela de um mundo em agem, perdidos em devaneios pueris. Lembra-nos das malditas salas de espera, de médicos, de aeroportos ou de sentar-se após uma despedida e tomar um café, de caminhar para casa sozinho após uma tarde sórdida. São esses momentos entre a juventude e a vida adulta, entre um lar e o outro, entre os finais e os recomeços, que não estão nem aqui, nem ali, apenas em transição, apenas a existir, solenes.
As mudanças de nossa vida não se apresentam de modo teatral. Acontecem, frequentemente, nesses pequenos problemas e nos incômodos ligeiros, nos quais a mudança não é um evento, só uma consequência sutil. Crescer não é uma transformação única, é um processo, uma série de alterações não anunciadas e quase imperceptíveis. Não percebemos quando superamos um lugar, uma pessoa, uma antiga versão nossa, até olharmos para trás e vermos o quanto os trilhos já estão distantes. Se Chihiro não sabe onde vai parar, o mesmo vale para nós. Nem sempre sabemos o que nos aguarda na próxima estação. É por isso, querido(a) leitor(a), que amo essa cena e que ela permanece comigo. Não é o clímax do filme, nem a despedida dramática, é só o que há de mais silencioso, preenchido só pelo peso de algo que as palavras somente jamais valeriam. É a sensação de existir em um espaço onde devemos simplesmente estar, onde a única decisão é continuar. Talvez... não precisamos saber o destino. Talvez seja o bastante sentar-se na janela, observando o mundo ar e confiar que estamos no caminho certo, assim como Chihiro.
Obs.: este blog não tem introdução ou conclusão. Como a cena, só existe entre as duas medidas; flui e flui até o entendimento. Se te agregou algo, fez bem; se não, fez bem. Obrigado pela leitura. Confira, também, os outros projetos da dominação dos Autores pela #MomentoMori.
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Comments (2)
Q legal eu fiz um quadro dessa paisagem