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Buracos - Parte II

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Hector Forlán 17 days ago
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AVISO: O CONTEÚDO PRESENTE NESTA HISTÓRIA PODE PROVOCAR GATILHO EM ALGUMAS PESSOAS.

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— Oi! Aqui é o Rafael. Tentei entrar em contato algumas vezes, mas sem retorno… Só queria saber se está tudo bem. O pessoal do Nostro sente sua falta. Eu também. As coisas por aqui não são as mesmas sem você.

Chego a considerar atender, dizer que ainda quero voltar, que sinto falta de como as coisas eram, mas a ideia logo se dissipa. Meu sócio continua falando:

— Cheguei a falar com a sua mãe. Comentei que você não atendia as ligações e que eu estava pensando em ar aí, mas ela disse que você não queria ver ninguém… Nem mesmo ela.

A insistência dele me incomoda um pouco, mas tento manter a razão — é apenas uma pessoa se preocupando com quem ama.

— Sinto muito pela Beatriz. Sei que nada que eu diga vá resolver, mas… estou aqui, tá? Sempre que precisar.

Quando me dou conta, o telefone já está fora do gancho, colado à minha orelha. Não digo nada — a raiva está toda ali, fervendo por dentro, mas as palavras simplesmente não saem. Ficam entaladas, pesadas, como se queimassem na garganta.

— Alô?!

O silêncio é a minha única resposta. Minha respiração, cada vez mais pesada, ecoa na linha.

— Ah! Que alívio… Você finalmente atendeu! Você não tem ideia de quanto tempo estou–

— Cala a boca e não me liga nunca mais! — rosno, antes de bater o telefone no gancho.

Não consigo lidar com isso. Aquele desgraçado ainda teve a audácia de dizer o nome dela! Não quero falar sobre isso. Não quero nem lembrar… Porque, no fundo, a culpa é minha. De novo, meus olhos se enchem, e dessa vez as lágrimas caem. O telefone toca novamente.

— VAI SE FODER, RAFAEL! — grito, agarrando o telefone e lançando-o contra a parede, que se estilhaça com o impacto.

Ofegante, esforço-me para não perder o controle completamente. Talvez um banho morno ajude a esfriar a cabeça e a me afastar um pouco de tudo isso. Às vezes eu realmente só queria poder dormir e esquecer que tudo está desmoronando.

Debaixo do chuveiro, tento arrancar as impurezas impregnadas em minha pele. Algo inútil, pois essas impurezas não estão apenas na minha pele, mas sim na minha alma. Isso tudo me faz pensar em algo curioso e relativamente engraçado. É incrível como a mente consegue transformar coisas invisíveis em problemas reais, problemas físicos. Como um sentimento pode se tornar algo tão forte, a ponto de contaminar você por inteiro. A culpa é algo que corrói… Muito!

Observo a água escorrer pelos buracos do ralo, ando pela caixa de gordura e seguindo seu caminho até o esgoto — lugares mais limpos do que minha própria pessoa. Enquanto sigo seu percurso com o olhar, um som estranho me interrompe — abafado, úmido. É um ruído inquietante, como se algo ou alguém lutasse para ser ouvido das profundezas. Desligo o chuveiro e fico imóvel, tentando entender se estou sendo vítima de pura paranoia. O som retorna, vindo do ralo. Confuso, aproximo-me de sua origem e percebo pequenas bolhas de ar começando a se formar.

Poderia ser somente um cano entupido — não seria a primeira vez, mas o som estranho que ouvi há pouco não se encaixa nessa explicação. Semicerro os olhos e distingo algo que se move: duas antenas agitadas, tremendo de forma errática. É então que uma barata aparece, emergindo do ralo e correndo em minha direção de maneira desorientada. No desespero, não encontro nada para detê-la. Sem opções, aceito o inevitável e piso no inseto. Através da sola do pé, percebo cada detalhe do pequeno corpo esmagado: a carapaça se partindo, os estalos dos órgãos rompendo-se e alguma espécie de fluido quente escorrendo.

— PORRA! — a repulsa é inevitável.

Enojado, ergo o pé lentamente, deparando-me com uma massa orgânica que, há poucos segundos, carregava os últimos traços de uma vida. O que restou de seu corpo ainda se contorce em espasmos involuntários. Permaneço fixo na cena, como se estivesse em transe. Não consigo decifrar esse sentimento — seria nojo? Pena? Afinal, acabei de tirar uma vida, não é? Outra vida… Fecho os olhos por um instante, tentando organizar os pensamentos. Estou enlouquecendo? Sentir pena de uma barata? Quando volto a abrir os olhos, fico atônito — não há sinal da barata. Não mais.

O pequeno inseto parecia ter se dissolvido em uma poça de líquido negro viscoso, semelhante a petróleo. Jamais havia testemunhado algo assim — era como se a cerâmica abrigasse um buraco. Repentinamente, aquele som ressurge — agora mais forte, mais intenso. Soava como um lamento desesperado, o grito de alguém lutando com todas as forças para alcançar a superfície. Minha respiração acelera e sinto o peso do medo apertando meu peito. Estou apavorado. Instintivamente, recuo até não restar mais espaço, encurralado no pequeno box. Encolho-me no canto da parede, como se ela pudesse me proteger.

Meus olhos estão cravados no maldito ralo. Não pisco. Não respiro. Cada movimento é um risco. Então, uma bolha. Depois outra. Elas surgem, rápidas e sujas, borbulhando como veneno em ebulição. Não são comuns. São negras, espessas, iguais ao líquido viscoso da barata. O ambiente inteiro parece se fechar. E, de repente, tudo para. As bolhas. O som. Dando espaço a um silêncio angustiante. Três segundos exatos transcorrem e, no instante em que começo a me erguer, aquele mesmo fluido negro irrompe pelo ralo, em um jorro inesperado.

Paredes, teto, chão… já não existem. Tudo está envolto em uma completa e opressiva escuridão. Partes do meu corpo também foram atingidas; as áreas parecem ter desaparecido, como se houvesse buracos em minha pele. A substância é quente, envolvente de maneira estranhamente confortável. No entanto, carrega uma melancolia densa, como se drenasse lentamente toda a minha energia. Aflito, esforço-me para enxergar algo, para tatear qualquer coisa, mas são tentativas inúteis. É como se toda a estrutura que me envolvia antes tivesse simplesmente desaparecido.

Sinto-me perdido, incapaz de compreender. Nada disso parece fazer sentido. É como encarar um horizonte infinito, pintado em uma única e imutável cor. Não há sinal de vida aqui — somente esse vazio imenso… e eu, sozinho, a única presença nesse espaço sem respostas. Inesperadamente, quase como um instinto primitivo, um calafrio gélido percorre minha espinha, arrepiando cada pelo do meu corpo. A sensação inquietante de estar sendo observado se instala; contudo, ao meu redor não há nada visível — ao menos, nada que meus olhos possam alcançar.

Desespero. Nenhuma outra palavra traduz melhor este momento. Meus olhos varrem o espaço ao redor com urgência, saltando de um ponto a outro, famintos por qualquer sinal dele — meu observador. Então, finalmente, meu esforço é recompensado. A uns dez metros de distância, uma forma branca começa a se materializar…

— Mas que… — sussurro para mim mesmo, enquanto me aproximo gradativamente.

A tal “bola” parece… piscar? Some por um instante, apenas para reaparecer no mesmo ponto, num intervalo de milésimos de segundo. Agora, está a menos de cinco metros de mim, mas subitamente desaparece. A sensação de estar sendo observado se intensifica, tornando-se quase inável. No entanto, desta vez, não há dúvidas — sei exatamente onde ele está. Com movimentos lentos e cautelosos, viro-me para encará-lo. E ali está: um olho gigantesco, do tamanho de uma bola de futebol, fixado em mim. Seu olhar me percorre lentamente, dos pés à cabeça, como se me examinasse por dentro, desvendando cada camada do que sou.

Estou paralisado, incapaz de mover um único músculo. Somente a lenta trajetória de uma gota de suor escorrendo pela testa me assegura de que continuo consciente. Com os pulmões cheios de ar, reúno cada fragmento de coragem para libertar o grito que se agita, preso e desesperado, dentro de mim. Abro a boca — mas, antes que qualquer som consiga escapar, a criatura me silencia. Parecem tentáculos.

O primeiro se enrosca em minha cabeça, cobrindo parte do rosto e sufocando minha boca e nariz. Em seguida, outro surge, deslizando ao redor do meu corpo e apertando-o com força crescente — semelhante a uma sucuri, envolvendo e subjugando sua presa. Logo surge o terceiro, seguido pelo quarto, quinto, sexto… camadas incessantes se formam ao meu redor. Não consigo enxergar, mas sei — com uma certeza cruel — que minha cabeça já deve estar arroxeada, prestes a explodir sob a pressão. O maldito olho se aproxima ainda mais — agora, não a de dois centímetros entre nós. Está fixo nos meus olhos. Cada instante que a é uma batalha vencida, pois meu último suspiro pode chegar a qualquer momento. Já fiz as pazes com isso: aqui e agora será o meu fim. Fecho os olhos, mas a sensação permanece — ainda posso sentir seu olhar cravado em mim.

Repentinamente, tudo se aquieta. Será que morri? Ainda hesitante, abro os olhos lentamente. Para minha surpresa, estou de volta ao banheiro, sentado no canto do box. Tento dar sentido ao que acabei de vivenciar — ou, ao menos, ao que acredito ter vivenciado. o as mãos pelo corpo, tateando cada parte, em busca de algum ferimento. Um alívio profundo me invade ao perceber que tudo está exatamente como deveria. Olho ao redor e não encontro nada de estranho — nenhuma substância preta, nem sequer a barata. Não faz sentido. Afinal, aquilo… aquele olho. Só de lembrar da imagem, um arrepio percorre minha espinha.

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Bah, não tinha lido a primeira parte, mas lendo essa me interessei pela história! Aguardo a continuação, vou acompanhar 🤠 :pray:

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Responder para: Hector Forlán

Vou lá ver 🛼

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1 Reply 17 days ago
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