Capítulo 1 - O Encontro Acidental

O sol da manhã de primavera espreitava através das copas das árvores, pintando o Parque Central com pinceladas douradas. Clara, sentindo o leve vento no rosto, pedalava despreocupadamente pela alameda principal.

Adorava aquelas manhãs. O ar fresco, o perfume das flores a desabrochar e o chilrear dos pássaros criavam uma sinfonia que acalmava a sua alma. Tinha recentemente terminado a faculdade de Letras e, ao invés de se afogar na busca frenética por emprego, decidira dar-se tempo para respirar, para se reconectar consigo mesma antes de se entregar ao mundo competitivo do trabalho.

Do outro lado do parque, a história era bem diferente. Inês pedalava com uma urgência quase palpável, o cabelo castanho voando selvaticamente atrás de si. Estava atrasada, como quase sempre. A reunião com o editor era crucial para a aprovação do seu primeiro livro de poemas, um sonho acalentado desde a adolescência.

Na sua mente, os versos dançavam e competiam por espaço, eclipsando a realidade ao seu redor. Concentrada em rabiscar mentalmente a estrofe final, Inês mal reparou na aproximação do cruzamento.

O inevitável aconteceu.

Um choque súbito, um grito abafado, e o metal a ranger contra o asfalto. As bicicletas, antes símbolos de liberdade e velocidade, agora jaziam desajeitadamente emaranhadas no chão. Clara e Inês, ambas ainda atordoadas, encontraram-se repentinamente sentadas no relvado macio, a respiração acelerada e o coração a palpitar forte.

- Ai! Desculpa, desculpa! Eu não estava a prestar atenção… . - Inês começou, a voz embargada pelo nervosismo. Levantou-se rapidamente, sacudindo a sujidade das calças jeans e estendendo a mão para Clara.

Clara, ainda meio zonza, aceitou a ajuda.

- Não faz mal… acho que também não estava muito atenta. Estava distraída com o tempo - observou com um sorriso hesitante a bicicleta de Inês, a roda da frente visivelmente torta. - Parece que a tua bicicleta não se safou tão bem, no entanto.

Inês olhou para o amontoado de metal retorcido com uma expressão de puro horror.

- Oh, não… a minha bicicleta… Eu… eu estou tão atrasada! - O desespero era evidente na sua voz.

Clara sentiu uma pontada de empatia - Atrasada para onde?

- Para uma reunião com o meu editor! É sobre a publicação do meu livro. É... é muito importante - As palavras saíram atropeladas, a ansiedade a transparecer em cada sílaba.

Clara, que sempre adorara poesia, sentiu um súbito interesse.

- Um livro de poemas? Que fantástico! Adoro poesia. Qual é o tema?

Inês, um pouco surpresa pela inesperada demonstração de interesse, hesitou - É... sobre a vida, o amor, a perda… coisas assim.

Clara sorriu - Então é sobre tudo o que realmente importa. Percebo a tua pressa. Mas, sinceramente, não me parece que consigas ir a lado nenhum com a bicicleta nesse estado.

Inês suspirou, derrotada - Eu sei… talvez tenha de ligar e cancelar. Mas tinha tantas esperanças…

As suas palavras morreram num sussurro, a frustração estampada no rosto.

- Espera! - Clara exclamou, uma ideia repentina a surgir na sua mente - Eu posso levar-te. A minha casa não é muito longe do parque e tenho um carro. Se te despachares, ainda podemos chegar a tempo.

Inês olhou para Clara, incrédula - A sério? Farias isso por mim? Mas nós nem nos conhecemos!

- Exatamente! - Clara respondeu com um sorriso radiante - Uma boa ação para começar o dia e uma história engraçada para contar no futuro. Vamos, não temos tempo a perder!

E foi assim, entre risos nervosos e desculpas repetidas, que Clara e Inês, duas estranhas unidas por um encontro acidental e uma bicicleta destruída, iniciaram uma inesperada aventura.

Enquanto Clara conduzia apressadamente pelas ruas da cidade, Inês explicava sobre o seu livro, intitulado “Fragmentos de Alma”.

Falava com paixão sobre as inspirações por trás dos seus poemas, sobre a beleza nos pequenos detalhes da vida e sobre a dor da perda. Clara ouvia atentamente, fascinada pela intensidade das suas palavras e pela vulnerabilidade que Inês transmitia.

Chegaram ao edifício da editora com apenas alguns minutos de atraso. Inês, visivelmente nervosa, agradeceu profusamente a Clara pela ajuda.

- Não tens que agradecer - Clara disse com sinceridade - Espero que tudo corra bem na reunião. E, por favor, quando o livro for publicado, não te esqueças de me avisar!

Inês sorriu, um sorriso verdadeiro que iluminou o seu rosto - Prometo que serei a primeira! E, a propósito, chamo-me Inês.

- Clara - respondeu, apertando a mão de Inês - Boa sorte!

Clara esperou ansiosamente notícias de Inês. Nos dias seguintes, reviveu mentalmente o encontro no parque, recordando a sua espontaneidade e o brilho nos olhos de Inês ao falar sobre o seu livro. Começou a sentir uma estranha conexão com aquela mulher que mal conhecia.

Uma semana depois, o telefone tocou. Era Inês.

- Clara, tenho ótimas notícias! - A sua voz irradiava alegria - O livro foi aprovado! Vão publicá-lo no próximo mês!

Clara soltou um grito de alegria.

- Que fantástico! Parabéns, Inês! Sabia que ias conseguir!

- E não teria conseguido sem ti - Inês respondeu com sinceridade - Gostaria de te agradecer pessoalmente. Que tal um café?

O encontro foi marcado para o dia seguinte, numa pequena cafeteria perto do parque. Clara chegou primeiro, sentindo um misto de excitação e nervosismo. Não sabia bem o que esperar, mas sentia uma forte curiosidade em conhecer melhor aquela mulher que, de certa forma, entrara na sua vida como um raio de sol numa manhã de primavera.

Quando Inês entrou na cafeteria, Clara sentiu o seu coração acelerar. Ela usava um vestido azul-claro que realçava os seus olhos castanhos e carregava um exemplar do seu livro, com uma capa provisória adornada com uma imagem abstrata de flores silvestres.

- Olá, Clara! - Inês exclamou, aproximando-se com um sorriso radiante -Trouxe isto para ti… um exemplar antecipado. Um pequeno gesto de agradecimento.

Clara aceitou o livro com as mãos trêmulas.

A capa era linda, mas o que realmente a tocou foi a dedicatória escrita por Inês na primeira página: “Para Clara, que me mostrou que até as quedas podem levar a encontros inesperados. Com gratidão, Inês.”

Sentaram-se numa mesa perto da janela e aram horas a conversar. Falaram sobre os seus sonhos, os seus medos, as suas paixões. Descobriram que tinham muito em comum, desde o amor pela literatura até a crença na importância de seguir o coração. Clara contou a Inês sobre os seus planos de encontrar um trabalho na área das Letras e Inês partilhou as suas ambições de se tornar uma poetisa reconhecida.

À medida que o tempo ava, a atração entre elas tornava-se cada vez mais evidente. Os olhares prolongados, os toques acidentais, os sorrisos tímidos… tudo indicava que a conexão que sentiam ia muito além da simples amizade.

No final da tarde, quando se despediram à porta da cafeteria, Inês hesitou por um momento antes de dizer - Clara, eu… eu gostei muito de ar este tempo contigo. Sinto que nos conhecemos há muito mais tempo do que alguns dias.

Clara sorriu, o coração cheio de esperança - Eu também, Inês. Também sinto isso.

Inês aproximou-se lentamente e, com uma timidez adorável, tocou no rosto de Clara.

- Posso… posso beijar-te?

Clara suspirou, fechando os olhos - Por favor.

O beijo foi suave, doce, e carregado de emoção.

Era um beijo que falava de encontros inesperados, de segundas oportunidades e da beleza que se pode encontrar mesmo nos momentos mais inesperados. Era o beijo que marcava o início de uma história de amor que, tal como os poemas de Inês, iria explorar os fragmentos da alma e celebrar a magia da vida.

A primavera, que já era exuberante na sua beleza, parecia agora ainda mais vibrante. O sol brilhava com mais intensidade, as flores exalavam um perfume mais doce e o chilrear dos pássaros soava como uma melodia de amor.

Clara e Inês, unidas por um encontro acidental e por uma paixão partilhada, estavam prontas para enfrentar o futuro juntas, de mãos dadas, descobrindo a beleza que se escondia em cada novo verso da sua história.

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