Catarse

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#MomentoMori

Capa maravilhosa por: Machine

O arco das formigas é, sem sombra de dúvidas, o melhor do anime. Você pode até achar os outros melhores, porém é inegável o impacto irreversível e transformação que o penúltimo ato finalizado de HxH causou em seu próprio mundo. Além de servir de estopim para os eventos futuros com a morte de Netero, esse segmento mostrou lados complexos de personagens bem estabelecidos, colocando-os contra a parede e forçando-os a lutar em oposição às suas próprias sombras.

Evolução, regressão, compreensão, individualismo e ego em contraposição — ou, melhor, em conjunto — a uma estrutura eussocial. Esse ato poderia ser um anime independente, um que seria extremamente depressivo.

Caso eu fosse definir esse arco como um esporte, seria uma quebra de braço ou, talvez, um jogo de xadrez entre uma criança prodígio e um velho que já ou de seu auge há muito tempo. A observação que pretendo fazer, creio eu, é importantíssima para o suposto "180" que Gon Freecs deu nas partes finais do arco.

Existem milhões de coisas para falar sobre a obra, porém estamos aqui com um simples objetivo: dissecar um dos momentos mais impactantes que Togashi já escreveu e desenhou. Portanto, iremos dividir o blog entre três tópicos, na intenção de capturar o motivo da catarse da qual estamos falando pela raíz.

• Formigas quimera, o próximo o.

• Tradição e evolução; Netero Vs. Meruem.

• Gon e seu egoísmo.

O próximo o.

Um dos atrativos de HxH é a quantidade de subtexto que a obra contém. Quanto mais você assiste, digere, observa e analisa as situações, diversas ideologias, críticas substanciais ou, simplesmente, escrita bem-feita você encontra. Algo que é bem explorado nesse arco — além das outras centenas de coisas — é o hipotético de uma raça “superior”. Este não é um conceito novo, já foi explorado por outras obras de diversas formas e de todo o gênero existente. O mais comum é a existência de uma raça alien que é superior em relação à humanidade, tendo tecnologia avançada ou habilidades biológicas únicas em conjunto com um cérebro evoluído. Chimera ants não diferem tanto de uma raça de outro planeta (é basicamente o que o continente negro é), contudo, o local em que se encontram e o nascimento recente impede elas de progredirem rapidamente no senso tecnológico, assim dando tempo de reação para a raça combatente e a única capaz de lidar com essa espécie: humanos.

O combate é, à primeira vista, inevitável. A raça é considerada agressiva, possui capacidades biológicas únicas, variadas e avançadas, muitas vezes copiadas geneticamente dos animais que a rainha consumiu. Com essas mutações, a ação que tomam e o crescimento exponencial veloz, o extermínio precisa ser imediato. Quando as formigas chegam na fase de consumir humanos, a situação fica crítica. Não só a evolução chega em um nível absurdo graças ao cérebro e alma humana, mas as formigas continuam com aspectos fortes de outras raças. Apesar de algumas “falhas”, como adversidade primitiva, elas são, objetivamente, melhores que humanos. Aprendem mais rápido, são mais fortes, todas (que são da geração pós consumo humano) possuem a habilidade de controlar o Nen rapidamente, etc.

Como elas são frutos do próprio mundo que as criou, estão no melhor lugar no qual poderiam ficar. Juntando isso ao fato da rivalidade contra a humanidade e o evolucionismo, é fácil traçar a conclusão de que: elas estão aqui para ficar. Seres superiores, ainda com falhas e similaridades humanas. As formigas são, ao que tudo indica, o próximo animal a tomar o topo da cadeia alimentar.

300 mil anos de existência.

Existem debates variando a existência humana entre 200-350 mil anos, de qualquer forma, a humanidade está presente no planeta Terra há muito tempo. Evolução tecnológica, tradição, cultura, religião, grandiosidade... nós fizemos tanta coisa que, no período de uma vida inteira, uma pessoa só é capaz de se especializar em uma quantidade limitada de tópicos. Nunca teremos conhecimento o bastante sobre o que nós mesmos fizemos, tamanho é o impacto da nossa própria existência.

Em HxH, na guerra curta e impactante contra as formigas, essa é a vantagem que a nossa raça possui. Os desenvolvimentos que superam até mesmo nossa própria compreensão, por mais contraditório que seja, é a arma final, demonstrada por Netero na luta contra o Meruem. O rei, em um ato de caridade, respeito e, ironicamente, humanidade, faz uma proposta final para Netero, oferecendo o convívio mutual entre humanos e formigas.

Qual é a diferença entre alguém que viveu 80 anos e continua lúcido e alguém que parece ter nascido ontem? Muitos argumentaram disposição física, diferença entre conhecimento, capacidade de aprendizado, visões de mundo etc., não que isso esteja errado, mas na guerra, a experiência é o que conta.

O não argumentavel é que somos uma praga para o mundo e, ao mesmo tempo, a coisa mais cruel já desenvolvida, seja por algum figura deísta ou pela própria natureza. História é um tópico de pesquisa cheio de desgraça, não existe outra palavra para substituir os males do que já foi feito. Inicialmente pensamos que as formigas são cruéis, quer dizer, Meruem mata a própria raça indiscriminadamente sem nem olhar na direção ou se importar com o que está fazendo, o que é mais cruel que isso? Aí começamos a olhar para nós mesmos durante períodos de conflito, observamos que fazemos isso já com conhecimento imenso, ao invés de ser um instinto primitivo vindo do berço, como é o do rei. Durante esse momento de reflexão da alma, do perdão do nosso inimigo, da oferta de paz, de algo que seria, muito provavelmente, objetivamente a melhor opção, Netero — e provavelmente a maioria de nós — escolhe a malícia, o jogo sujo, o roubo. É quase infantil o desespero pela vitória após a derrota, ao mesmo tempo que é digno.

O egoísmo de Gon Freecs.

Por mais que a o papel de vilão seja invertido no último arco, não só como peso de ações, assim como quem possui domínio da "guerra", não creio que Gon, Killua e, mais especificamente, a equipe de e se aproprie disso como o Netero fez. Pitou também não faz nenhum tipo de oferta para o protagonista. Ela somente o vê como uma ameaça para o rei que ama e tenta eliminá-lo o quanto antes. Independentemente disso, ele continua seguindo um ato egoísta; sacrificando seu corpo, seu Nen e praticamente sua vida em troca da vingança imediata. Abandonando a suposta pureza, que, por sinal, nunca verdadeiramente existiu, era apenas resultado circunstancial de sua vida que estava fadada a ser abandonada graças às suas motivações e objetivos, Gon segue o seu momento sob a luz perversa que é o ódio primitivo e o desejo genuíno por uma resolução, qualquer que seja. Para mim, este momento não é representante somente de uma catarse muito boa, é o cúmulo de tudo que mencionei até agora, é a inversão das expectativas e o que muitos vieram a chamar — infelizmente, porém com um toque de verdade — de desconstrução. Naquele momento, em que uma criança pisa em uma formiga, toda a jornada que acompanhamos com o coração some diante dos nossos olhos. O sacrifício simplesmente não valeu a pena, além de ter destruído completamente todo o futuro de alguém amado por muitos, também trouxe uma parada à sua jornada (em teoria, felizmente não foi).

Esta batalha representa tudo, não só desse arco, mas também estoura uma bolha que estava subindo desde o começo do anime, finalmente chegando à superfície nesse confronto.

Quero elaborar um pouco também o porquê dessa decisão não ser justificável, mesmo sob tamanha pressão que ele estava sentindo. Aqui eu vou entrar em algo mais técnico e falar de "nerdice", usando somente o literal e deixando os subtextos interessantes de lado (momentaneamente). Nesse ponto do anime, Gon já lidou com diversas situações de vida ou morte, sabe medir a força do inimigo, tem noção ótima de sobrevivência, teve diversas interações que colocaram não só ele, mas aqueles que ama em perigo e, acima de tudo, possui ótima intuição, apesar do julgamento complicado — como foi demonstrado novamente no arco. Meu argumento é que ele tomou uma decisão consciente, sabendo dos riscos. No fim do dia, habilidades de Nen são um contrato que você faz, aceitando termos que te beneficiem. Naquele momento, ele aceitou não o que achava que seria beneficial em longo termo, mas sim, o caminho mais curto, ainda mais que o Kurapika em sua própria vingança. Menciono isso pois é o que torna o momento ainda mais especial para mim. As ações inconsequentes dão um ótimo contraste entre Gon e Killua, enquanto um tenta alegrar todos e tem problemas com aceitação, o outro é completamente cego ao pronto de ser imune. O charme do protagonista não é só devido ao seu talento, resiliência e "brilho" que emite, mas também a essa visão forte e imutável, uma que o machuca tanto quanto o beneficia. O momento de catarse nada mais é do que assistir o lado negativo da forma de pensar e agir que ele possuiu.

Eu amo esse momento pelos "undertones", devido a jornada que acompanhei até chegar aqui e, também, por causa da mudança de perspectiva final, na qual observamos a Pitou desesperadamente defender quem verdadeiramente ama, sacrificando tudo em prol de algo que, apesar de ter começado como lealdade seletiva, se tornou claramente um tópico de interesse sentimentalista. Ah, e assistir o Gon esmagar crânios é arrebatador e eletrizante.

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Hunter X Hunter, para mim, possui um dos melhores, senão o melhor worldbuilding que já vi. Parece que qualquer um poderia ser tópico principal de um arco e algo interessantíssimo estaria sempre acontecendo. Enquanto assistíamos X arco, Y personagem provavelmente estava fazendo algo foda e, quando é revelado depois, quase sempre é o caso. O mundo é interessantíssimo e cheio de conceitos e observações interessantes. Algo pequeno que eu gosto que aparece nos seguintes arcos, mesmo que curto, é o nível de ameaça de cada coisa. As formigas possuem isso e é muito alto, porém, curiosamente, humanos também possuem um nível. É um detalhe simples, porém interessante, já que é certamente algo que devemos nos preocupar e definir como possível ameaça, afinal de contas, como Netero diz para Meruem: "Você não sabe nada da malícia insondável contida no coração humano".