Nem sei por onde começo... ou melhor, sei sim: eu precisava escrever isso pra você. Porque guardar tudo só pra mim estava começando a me sufocar, e você — como sempre — é a pessoa que me vem à mente quando meu coração pesa demais.
As coisas por aqui estão longe de estarem bem. Sabe aquele caos que você já conhece tão bem em mim? Então... ele resolveu se multiplicar. Eu tô me sentindo como uma versão ampliada de mim mesmo, só que com tudo fora do lugar. Por dentro e por fora. Como se eu estivesse tentando segurar mil paredes ao mesmo tempo, mas todas insistem em desmoronar. E no meio dessa confusão, eu percebo — com aquele tipo de dor silenciosa que a gente finge que não sente — que tô deixando de lado o que realmente importa. Tipo você.
Me dói itir isso, mas a verdade é que eu me sinto ausente, longe de você, e sinto culpa. Porque você é uma das minhas pessoas mais importantes, e essa distância, mesmo que sem intenção, tem aberto um vazio enorme em mim.
Tô fazendo mil coisas ao mesmo tempo, como se isso fosse me salvar de alguma coisa. Me enfio em trabalho, promessas, tarefas... como se cada uma fosse um curativo pra alguma ferida que eu não sei nomear. Eu sei que isso tá me desgastando, mas é a única maneira que encontrei de continuar me sentindo vivo. De lembrar que eu ainda tenho alguma utilidade, que talvez ainda exista um propósito pra mim no meio dessa bagunça. E mesmo quando eu sei que estou ultraando meus próprios limites... eu simplesmente não sei parar.
No meio desse furacão todo, surgiu a faculdade. E, olha... eu tô apavorado. Mas também, pela primeira vez em muito tempo, animado. Tem algo nessa escolha que parece certo — como se eu pudesse, finalmente, unir várias paixões minhas num caminho só. E o melhor? Fazer isso daqui, do meu espaço, onde eu não me sinto julgado, observado ou diminuído. Onde posso simplesmente ser — com todos os meus excessos, esquisitices, falhas e cores.
Aliás... falando em ser... eu nunca vou conseguir agradecer o suficiente por algo que você fez sem nem perceber o quanto era importante: você me viu antes de eu me ver. Você entendeu quem eu era — minha sexualidade, meu gênero — antes mesmo de eu ter coragem de olhar no espelho com sinceridade. E nunca tentou me forçar ou me rotular. Só... esteve ali. Com acolhimento, respeito e aquele olhar de quem entende mesmo sem palavras. Isso me marcou pra sempre.
Quando você falou sobre a mudança que está planejando... eu congelei por dentro. Me senti deslocado, meio fora do quadro, como se alguém tivesse mudado os móveis da minha vida e esquecido de me avisar. Mas eu entendo. Entendo profundamente. Porque, no fundo, eu também preciso disso. Precisamos. Esse desejo de respirar em paz, de estar só, de se reorganizar longe do barulho do mundo — ele também vive em mim. Eu também quero aprender a ficar comigo mesmo, a colocar meus pensamentos em ordem, encontrar um pouco de silêncio dentro do caos. Mesmo que seja só pra juntar os pedaços e tentar colar tudo de novo.
E é por isso que, mesmo com o coração apertado, eu apoio sua decisão. Mesmo que ela nos afaste ainda mais. Mesmo que o medo grite. Porque eu sei o quanto esse o pode ser necessário pra você. Só... preciso ser honesto: se essa for mesmo a linha final que nos separa, eu não sei se terei forças pra ir atrás de novo. Não porque eu não me importe, mas porque eu estou tentando, pela primeira vez, caminhar sozinho. Com as próprias pernas. E isso está sugando tudo o que tenho.
Eu tô me reconstruindo devagar, tentando encontrar uma versão minha que ainda possa existir, mesmo em cacos. Tô tentando fazer as pazes com a solidão e com o que sobrou de mim.
Além de tudo isso… tem também essa eterna performance que eu faço. A de sempre tentar ser o “filho perfeito”. O que não dá trabalho, que não reclama demais, que não preocupa ninguém. Tento manter as aparências, me encaixar no molde que esperam de mim. Faço o possível pra não deixar minha mãe sobrecarregada, pra não alarmar meus amigos, pra não ser mais um peso pra quem já carrega os seus próprios. Engulo as lágrimas com cada vez mais eficiência — quase um talento, se for ver. Mas, por dentro, o vazio continua lá. Me acompanha feito sombra. Um buraco silencioso que não se preenche com esforço nem com sorrisos forçados.
E o que mais me assusta é que, nessa sua nova fase, você vai conhecer tantas outras pessoas. Gente nova, com energia, com menos caos, com mais equilíbrio talvez... e a ideia de que você pode encontrar alguém melhor — alguém mais inteiro, mais fácil de lidar — me corrói. Eu sei que é egoísta pensar assim, mas é como se uma parte de mim estivesse tentando desesperadamente ser suficiente pra continuar merecendo seu espaço. Mesmo quando me sinto tudo, menos suficiente.
Sinto que, quanto mais tento me moldar pra não incomodar, mais distante fico de mim mesmo. E isso me parte. Porque se eu perder quem eu sou de verdade só pra manter todos por perto... o que sobra de mim pra mim mesmo?
E tem uma coisa pela qual eu também preciso te pedir desculpas: por ter demorado tanto pra falar dos problemas físicos que estavam surgindo. Eu simplesmente não sabia como. Não sabia como colocar em palavras algo que nem eu queria acreditar que tava acontecendo. Porque, porra, eu tenho só vinte anos. E já tô com problemas nos nervos dos pulsos? Isso não é nem de longe normal. E quando eu vi meu corpo começar a falhar antes da hora, antes de eu sequer ter começado direito… eu entrei em desespero.
Foi como se o mundo tivesse me arrancado o chão de novo. Me senti pequeno, frágil, como naquela época em que qualquer erro meu, por menor que fosse, me fazia desmaiar de nervoso. Lembra disso? Eu lembro. Lembro da sensação de pânico, do medo paralisante, de querer desaparecer pra não atrapalhar ninguém. E tudo isso voltou. Como se nunca tivesse ido embora de verdade — só estivesse esperando o momento certo pra reaparecer.
Eu tô torcendo por você. De verdade. Com tudo o que ainda me resta de fé e força. Porque você merece o mundo, e eu sempre soube disso. Só nunca imaginei que encontraria minha alma gêmea — não romântica, mas tão essencial quanto — tão cedo na vida. Alguém que me visse tão de perto e ainda assim escolhesse ficar... mesmo quando eu era só caos, bagunça e excesso.
E, ao mesmo tempo, me dói pensar que talvez eu tenha sido mais um fardo do que um apoio. Que eu tenha pesado demais na sua vida quando tudo o que eu queria era ser leve, ser mais. Ser alguém por quem valesse a pena ficar.
Mas se a vida levar a gente por caminhos diferentes... se chegar o dia em que não tivermos mais contato, eu só quero que você saiba: eu vou continuar te aplaudindo. Cada o, cada conquista, cada sonho realizado — mesmo de longe, mesmo em silêncio. Sempre.
E quanto a mim... bom, eu vou continuar lutando. Como sempre fiz. Do meu jeito torto, silencioso, sufocado às vezes. Me afogando em estudo, em trabalho, em tudo que me distraia de pensar demais. Tentando sobreviver, mesmo que com os pedaços que sobraram.
Porque eu ainda acredito que, um dia, talvez, eu consiga me encontrar inteiro outra vez. Mesmo que você já não esteja aqui pra ver isso acontecer.
Com carinho, com amor — e com tudo o que nunca consegui dizer direito, S.Erymiah.
Eu te amo.



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