2: novo mundo — Retalhos de Nós

Aviso: contém palavras de baixo calão.

4 anos depois

O futuro e o ado possuem o mesmo presente. Vá adiante.

      Era noite e as luzes da cidade concorriam com as luzes dos faróis dos carros para saber quem ajudava a iluminar mais as ruas. A loja no acostamento era larga e tão iluminada que mal dava para perceber que era noite quando se estava dentro. A jovem que eava com um carrinho de compras ainda vazio pousava os olhos sobre a variedade de doces nas prateleiras, mas nenhum deles a cativou o suficiente para que resolvesse levá-lo. Em sua boca, chupava um pirulito barato que jogava de um lado para o outro conforme piscava lentamente, como se estivesse com sono e preguiça de fazer as compras.

      Ela apertou os olhos mais uma vez, colocando a mão na cintura e segurando o cabo de plástico do doce com a outra mão, conforme suspirava pesadamente e pensava que tinha que escolher mais rápido, porque essa era a tarefa que seu amigo deu. Olhando os tabletes com plásticos coloridos e chamativos, ela caçou um com os dedos e o virou de um lado para o outro analisando a embalagem por completo. Precisava escolher alguns chocolates para a noite de ver filmes, mas não estava interessada em nenhum deles — pensava até que talvez preferisse comprar um para derreter e comer com morangos ou só comer morangos, mas isso estava longe de ser o que seu amigo queria.

      Enquanto pegava outra barra para verificar os ingredientes, uma mão calorosa chamou sua atenção ao agarrar seu ombro, fazendo com que desviasse a atenção da embalagem. O rosto da pessoa ao seu lado era limpo e bonito, de um tom profundo de chocolate que brilhava à luz, enquanto o cabelo cacheado estava tão baixo que mal poderia ser deslocado. No entanto, como ele estava irritado, quando balançou os baixos fios com as mãos, toda sua frustração flutuou pelo ar.

      — É só uma barra de chocolate, porra, Kas! Toda vez tu mete uma dessa! — ele disse, irritado.

      A jovem sustentou um sorriso de lado, juntando as mãos nos bolsos da calça folgada que usava enquanto dava de ombros para a reclamação.

      — Eu tava escolhendo, pô. Tu que é precoce — respondeu ela, em tom provocativo.

      Ele bufou, despejando no carrinho as bebidas que havia recolhido junto com outras coisas que havia pego aqui e ali.

       — É assim que se faz, palerma. E você presa na merda de uma barra de chocolate?!

      Kássia balançou a cabeça, o reprovando, mas fuçando o que ele havia escolhido com a mão, enquanto ele mesmo pegava mais de uma barra e jogava de forma desinteressada no carrinho. A jovem o olhou por um tempo e gargalhou de sua atitude, pois parecia que ele queria ensinar a ela como fazer compras.

      — Você não pensa! Você só joga no carrinho — murmurava. — Ah, gostei desse! Aí joga no carrinho — disse, jogando mais uma barra de chocolate.

      Porém, antes que ele exagerasse, Kássia Muller resolveu empurrar o carrinho sem aviso prévio. Ele, Diogo, a chamou para que voltasse, mas ela fez ouvidos surdos e continuou a andar, virando um corredor para ir longe. Ele desistiu de seu ato ostentativo e seguiu correndo atrás dela. Como ele é possuidor de um par de pernas longas, alcançá-la não foi problema. Então, enquanto ela a xingava, eles andaram até a fila do supermercado, que estava com pouco menos de dez pessoas na espera devido ao horário avançado.

      — Ah! Você viu aquela reação do Bong? — Diogo mudou de assunto abruptamente. — Ele tá sendo imensamente criticado no JupiterNever...

      Kássia balançou a cabeça em negativa para a pergunta dele, e colocou dois pacotes de balas das estantes que formavam o corredor da fila de espera no carrinho. Enquanto ele falava, os olhos da jovem alcançaram a trabalhadora de meio período no balcão, que era uma colega deles de outra turma. Assim que a atendente viu que Diogo estava na fila, ela acabou se atrapalhando com as compras da mulher em sua frente, pedindo desculpas repetidamente; Kássia assistiu a tudo.

      Diogo é alguém que costuma chamar atenção, com sua pele caramelo radiante, os cabelos de cachos soltos baixos que escorriam pelo seu rosto e orelhas, os olhos pequenos de íris castanho-escuro profundos e o corpo esguio e alto costumam chamar atenção. Além disso, em questão de se arrumar e estar sempre cheiroso e com um sorriso amigável, o rapaz era quase imbatível. Porém, também, um pouco tapado para romance. Provavelmente porque "os bissexuais disputam com todos e acabam com nada".

      — Presta atenção, pô — o rapaz reclamou no ouvido da amiga, manhoso. Kássia revirou os olhos e observou o rosto do amigo, empurrando o carrinho para frente. — Tem tanta pouca gente, que demora, hein? Será que terminamos o filme hoje?

      A jovem só pode balançar a cabeça, o reprovando de novo. Ele tinha noção que a menina no balcão ali perto estava a fim dele? Provavelmente nenhum pouco.

      — E não revire os olhos para mim!

      Kássia não fez muita questão do drama e empurrou o carrinho de novo.

      — Tá doidinho para levar um murro, isso sim.

      Diogo a analisou por um tempo, então se calou, com um sorriso de desistência. Ele não queria apanhar, então até colocou as mãos nos ombros da amiga para massagear, comentando sobre algo aleatório para mudar de clima, o que fez Kássia rir.

      Logo, eles chegaram na vez de ar as compras. Kássia colocou tudo em cima do balcão, fazendo questão de deixar umas barras de chocolate de lado. A jovem timidamente e de ombros encolhidos ou as compras, sem erguer os olhos direito.

      — f na nota? — perguntou, baixinho.

       Diogo abriu um sorriso gentil e se inclinou no balcão para ver a tela do computador com o preço final.

       — Nem.

      Kássia o observou de lado, enquanto diminuía o trabalho da atendente, guardando as compras nas sacolas. Ela viu a menina enrijecer a postura antes de olhá-lo e ele ainda parecia totalmente alheio a todos os sinais. Ela murmurou o valor final e recebeu o dinheiro, devolvendo o troco que, pelo que Kássia viu, estava errado. Silenciosamente, antes que Diogo pudesse estender a mão, a jovem puxou ele de lado e entregou as sacolas, reando o valor mentalmente e deixando o valor extra de volta no balcão.

       Ela fez questão de empurrar o amigo, para que ele não visse a menina tendo uma crise por ter errado e querendo pedir desculpas, fazendo com que saíssem apressadamente do mercado.

       — Eu não vou carregar tudo não! — ele reclamou.

       Kássia lhe deu um tapa na nuca, pedindo para ele não gritar e dividiu metade do peso das sacolas. Mesmo que ele tenha reclamado, sorriu e voltou a comentar fofocas que viu nas redes sociais ou por aí, misturando com assuntos de séries que tinha assistido.

      A jovem Muller mudou a atenção dele para a avenida ao lado, ando os olhos pelos carros que casualmente avam com aqueles faróis brilhantes os. Havia também alguns carros estacionados em umas poucas calçadas, ou dentro de portões de ferro. Pessoas diferentes compartilhavam as calçadas com os dois adolescentes, vestidas de diferentes formas e possuindo diversos formatos de rostos e corpos; algumas em grupos que conversavam, outras observando o celular e outras andando apressadas. Era agitado, mas ao mesmo tempo tranquilo, pois mesmo que os olhos se cruzassem, não queria dizer muito além de uma coincidência.

       As pessoas nas cidades maiores não ligam para quem você é, o que você quer ou, até mesmo, o que você fez, faz ou deixa de fazer. Tudo que importa é caso elas tenham que "socializar" com você; há muito mais gente na cidade do que você pode conhecer e você não tem como conhecer todo mundo. Kássia gostava disso, mesmo tendo seus lados ruins. Ela gostava de andar pela cidade sem mais preocupações com os outros, sem obrigações de falar com todos e apenas dar respeito a quem fosse merecido esse respeito. As pessoas am umas pelas outras como se todos estivessem em uma cidade fantasma e isso era uma mágica estranha.

      — Rápido! — Diogo disse de repente, fazendo Kássia virar o rosto em sua direção confusa. — Dois mais dois?

      A jovem franziu severamente as sobrancelhas.

       — É o que?

       — Cê não tava prestando atenção, eu sou carente, só quis chamar sua atenção mesmo.

      Kássia levantou a perna para chutá-lo, mas ele apenas riu dela.

      — Mas ó, — Diogo continuou, demonstrando que estava acostumado com esse tipo de atitude. — O filme vai ser do caralho. A atriz principal é linda, e — Ele aproximou a cabeça da orelha da amiga — Vai estar gostosa com uma roupa da cor da pele dela.

      — Escarlate é linda de qualquer jeito, mesmo que use um saco de lixo, lamberia os pés dela — Kássia sorriu.

      Diogo gargalhou, mas também a olhou com um sorriso malicioso.

       — E se fizermos os sacos de agora e vestirmos você? Tiro uma foto para o Picfeed.

      Kássia franziu as sobrancelhas e depois sorriu, começando a avançar em direção a ele, que começou a correr, gritando com ela para parar e pedindo socorro.

      — Vai caber certinho! Pare de correr! — dizia ela, rindo e ofegando.

      Eles correram e riram de quase tropeçaram, enquanto se xingavam sob o céu noturno. Mesmo que as férias estivessem acabando, era uma sexta-feira. As ruas estavam movimentadas, mas conforme eles chegavam na região residencial, essa movimentação diminuiu gradualmente e eles tomaram mais liberdade para correr melhor, considerando ainda mais que estavam próximos do destino, a casa onde Kássia morava.

      No caminho, Diogo esbarrou em uma jovem que estava atravessando a calçada em direção a uma casa. Ele perdeu o equilíbrio, mas não a dedicou um olhar, retornando a correr. De longe, era possível os ver discutindo e rindo envergonhados enquanto atravessavam a calçada de uma casa e sumiram atrás da porta.

      A menina que tomou o impacto, virou-se, encolhendo-se pelo vento noturno. Seus olhos estavam arregalados enquanto ela observava o horizonte agora vazio. Kássia ou como um trovão, o aroma de seu perfume adocicado e atraente remexendo o ar, ando pelo nariz da jovem como se fosse de propósito. A menina não sabia se ria ou chorava, e precisou de muito esforço para reunir as malas e cruzar o jardim bonito para entrar na casa à sua frente.

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